06/03/18
Em Florianópolis, Carlos Cancellier, reitor da UFSC, foi alvo de prisão em uma operação da Polícia Federal, acusado de obstrução de investigação em esquema de desvio de verbas. O dinheiro deveria ser destinado para bolsas da Universidade. O caso teve grande repercussão na mídia, mesmo sem provas concretas. Dias depois de ter sido solto, o reitor suicidou-se.
No Rio de Janeiro, a operação “Fura Fila”, da Polícia Federal (PF), investigava esquema de fraude à ordem de fila para transplantes de fígado no estado. O médico Joaquim Ribeiro Filho, ex-coordenador do programa Rio Transplante, foi acusado de chefiar o suposto esquema. O Dr. Joaquim, que teve sua prisão amplamente divulgada pela mídia, foi absolvido tempos depois por absoluta falta de provas.
O ponto em comum entre esses casos é a espetacularização das investigações, onde sequer havia um simples indiciamento pela autoridade policial, com grave e perniciosa exposição midiática de pessoas de bem, que agora lutam para recomeçar suas vidas livres da mácula de criminosos, forma aliás com que foram tratados logo no início das operações
Observa-se uma total desproteção das pessoas simplesmente investigadas em relação à sua dignidade humana. Estudiosos do tema afirmam ser a influência das mídias sociais nas decisões judiciais, o que faz com que, não raras vezes, tribunais, Ministério Público e a Polícia sejam “sacodidos” de maneira a praticamente ‘esquecerem ‘ que do outro lado da investigação existem pessoas, que precisam proteger sua dignidade, e por isso o devido processo legal seria sua maior proteção contra eventuais abusos por parte das autoridades estatais.
Fato é que no atual estágio da sociedade da informação em que nos encontramos, onde notícias divulgadas acerca de qualquer fato, mesmo depois de desmentidas na apuração imparcial dos fatos, tendem a formar opinião de pessoas sobre determinado assunto, seja este objeto ou não de decisão perante o Poder Judiciário.
Outro fator extremamente negativo é a grande exposição do cidadão e de seus entes familiares quando sequer existe uma única denúncia em seu desfavor, apenas investigação preliminar ou inquérito.
Em verdade, os efeitos das redes sociais nesses casos, atentam contra os direitos individuais, como a vida, a honra, a privacidade, a intimidade, podem acarretar em episódios drásticos como o do reitor da UFSC.
Diante desse quadro, faz-se necessário refletir, por um lado, acerca de quais são os limites da imprensa e das instituições públicas na divulgação de notícias que tratam do assunto no Judiciário. Liberdade não significa abuso, ou seja, é legítimo o direito dos leitores e telespectadores de jornais, nos variados meios, que as notícias e as opiniões divulgadas lhes sejam apresentados de modo honesto e imparcial, respeitando a privacidade e o sentimento das pessoas. Nesse sentido, o meio de comunicação tem obrigação de tomar todas as providências razoáveis para assegurar a veracidade de suas afirmações.
Ainda temos muito que evoluir, e talvez a maior mudança nesse tema devesse passar pelo modelo atualmente em vigor na Suécia, onde a publicação de nomes e imagens de eventuais investigados só podem ser divulgados nos casos de acusações formais do Estado. Em uma democracia, todo cidadão pode ser a qualquer tempo investigado, devendo colaborar neste sentido, porém, tal ato não implica em acusação.
É necessário, por fim, que não se perca de vista que a imprensa é patrimônio livre da sociedade civil, não de governos.
Paulo Roque é Jornalista, Advogado, Professor, Mestre em Direito e autor de livros em Direito do Consumidor, Contratual e Responsabilidade Civil.
Leia na íntegra essa e outras matérias da Edição 26 do Jornal Nosso Bairro