06/03/18
Quem nunca presenciou algum espertalhão que usa da malandragem e do jeitinho brasileiro para se dar bem em tudo? Já parou para pensar que esse espertalhão pode ser você?
Você está há 30 minutos esperando para acessar uma via, atrás de uma fila interminável de carros. De repente, surge um motorista que não fez o mesmo que você e entra repentinamente te forçando a frear bruscamente ou jogar o carro para o acostamento e, assim, evitar a colisão. A primeira reação que temos é julgar esse motorista pela atitude. Porém, na visão dele, tratou-se apenas de um procedimento normal para chegar mais rápido ao seu destino.
Cenários como esse demonstram como a sociedade é frágil diante das tentações do dia a dia, levando o cidadão a cometer atitudes antiéticas e pequenas corrupções, além de demonstrar que o que é ético para mim, talvez não seja para os outros.
No trânsito, na política, na administração pública, nas empresas, na família e no cotidiano do brasileiro, a ética é encarada de forma distinta e possui a “elasticidade” proporcional ao momento, interesses e/ou culturas específicas.
A folha de pagamento da Câmara Legislativa do Distrito Federal é um exemplo de como a ética pode ser adaptável. No último dia 27 de fevereiro, os deputados distritais comemoraram o fim da verba indenizatória, que irá gerar uma economia anual de R$ 7 milhões. Porém, nenhum deles questiona o pagamento mensal de mais de 20 milhões com o quadro de pessoal da casa, dos quais cerca de 25% é destinado a cargos comissionados.
Do ponto de vista interno, não há nenhum tipo de desvio ético no caso de um Técnico Legislativo, que está se aposentando, receber R$ 752 mil em um único mês, entre vencimentos, subsídios, vantagens periódicas, eventuais e pessoais, além de “outros créditos”.
Mas, se avaliarmos de fora para dentro, na perspectiva de um professor que, por 40 horas de trabalho, recebe o salário de R$3.335 , a média da remuneração mensal dos servidores da Câmara Legislativa, de R$ 13,7 mil em dezembro de 2017, é totalmente desproporcional.
Apesar de elástica, adaptável e inerente ao indivíduo, sociedade ou cultura, a ética ou a falta dela é percebida, principalmente, na atitude do outro, e não naquilo que fazemos de certo ou errado. Fato que muitas vezes permite ao cidadão reivindicar conduta íntegra de seus governantes e representantes sem, no entanto, reconhecer seus próprios desvios ou fraquezas.
Luiz Carlos Iasbeck, professor e pós-doutor em Comunicação, explica que na maior parte dos casos os desvios éticos estão relacionados à própria condição humana como um mecanismo de defesa e sobrevivência. “A ética contraria a natureza egoísta do ser humano que o permite manter-se vivo biologicamente. Porém, na dimensão social, o egoísmo se torna nefasto na medida em que privilegia o indivíduo em relação à sociedade”, destaca.
ÉTICA E A JUVENTUDE
Entre os jovens brasileiros, 90% considera que a sociedade é nada ou pouco ética. Entretanto, quando fazem uma autoanálise, o cenário muda completamente, ou seja, 71% se diz ético o tempo todo ou a maioria do tempo, não considerando que ele próprio faz parte da sociedade.
Esses dados são fruto de pesquisa realizada, em 2017, pelo Datafolha e pelo Instituto de Ética Concorrencial (ETCO), com 1.042 jovens brasileiros de 130 municípios, que constatou a descrença geral das novas gerações em relação ao comportamento ético.
Segundo o presidente executivo do Instituto, Edson Vismona, a descrença maior está naquilo que o jovem vê no outro e não em si mesmo. “O problema é o outro, eu sou ético, eu procuro ser ético, mas o meio social não me ajuda. Então, na visão dos jovens o meio social não é ético no Brasil e isso prejudica o comportamento deles que têm como respaldo a sociedade antiética ao seu redor”.
As influências de amigos e familiares podem ser um dos motivos de tamanha desconfiança. Quando a opinião sobre ética é direcionada aos familiares, 57% afirmam que o grupo é nada ou pouco ético, e com amigos esse índice sobe para 74%.
Se por um lado amigos e familiares estão na lista das pessoas menos éticas, por outro profissionais como bombeiros e professores são aqueles que os jovens depositam maior confiança. Das dez profissões avaliadas na pesquisa, numa pontuação de 0 a 10, as duas profissões obtiveram notas 8,7 e 8,5, respectivamente.
Na avaliação, os políticos brasileiros emplacaram o último lugar, entre as profissões avaliadas, com nota de 2,2.
ÉTICA E A POLÍTICA
Quanto menor a liberdade de expressão em um país, maior o índice de percepção de corrupção na população – isso por que a liberdade de expressão é fundamental para a exposição da corrupção e das injustiças que ela causa. Essa foi uma das constatações que a pesquisa Índice de Percepção da Corrupção 2017, realizada pela organização Transparência Internacional.
Partindo desse pressuposto, podemos esperar que Cuba, que vive um regime comunista monopartidário, e que sofre com forte controle midiático e social seja um dos países com a maior percepção de corrupção no mundo, certo? Errado!
Cuba está 34 posições melhor colocada do que o Brasil, quando o assunto é percepção de corrupção no serviço público. Ou seja, nosso país ocupa a 96ª posição no ranking que mede a percepção da Corrupção no mundo, perdendo para países como Timor-Leste (91º), Argentina (85 º), China (77 º) e Cuba (62 º).
A pesquisa demonstra que a confiança do brasileiro com relação ao setor público, que reúne também as três esferas de poder, está minguando dia após dia.
A falta de confiança na classe política brasileira é uma das principais responsáveis por esse desempenho. Em outra pesquisa realizada pelo Fórum Econômico Mundial, em parceria com a Fundação Dom Cabral, o cenário é ainda pior.
Em uma escala que vai de 1 a 7, a nota de confiança dos políticos brasileiros não passou de 1,3, segundo o relatório de competitividade global. A avaliação foi realizada com 200 executivos que atuam no Brasil, questionados em 2016 sobre o padrão ético dos políticos do país.
Leia na íntegra essa e outras matérias da Edição 26 do Jornal Nosso Bairro